Epístola de uma flor aos que a colhem

Logo florescem os homens
Na temporada das dúvidas
Se ao menos lhes fosse permitido ensaiar...
Mas a vida é assim...
Mal floresce e termina

Ninguém entende direito isso de viver
Estranho isso, dizem alguns por aí
Que é isso mesmo...A gente faz o melhor que puder
E torce pra dar mais ou menos certo
Afinal, que alternativa temos?

Alguns homens parecem carregar consigo o peso
Pesado demais da culpa, um fardo nos ombros
Que muda até a postura corporal, sabe?
Um ar assim de sisudo, esses não vão muito longe
É difícil achar um futuro com um passado presente
As linhas temporais tendem a não se dar muito bem
Você coloca todas juntas numa sala
E vai voar café quente, pode se preparar...
Com esses homens aprendi uma lição poderosa...
Há coisas que só você pode fazer por você
Perdoar pra ser perdoado pode começar por você mesmo, sabe
Perdoa a si mesmo e o fardo fica mais leve
A caminhada vai mais longe

Há homens que querem conquistar o amanhã
Mas o agora é uma mulher ciumenta e vingativa
Que se não for contemplada cobre a estrada com espinhos
E fica difícil caminhar.
Com esses homens aprendi que somos seres
invencíveis enquanto mantivermos nossos pés firmes tocando no chão
Proteção materna da mãe terra, sei lá...
Não temos propensão nenhuma ao voo, mas lá vai ícaro com suas asas de cera
Sempre perdemos pro sol.

No fundo somos todos assim, não fugimos muito de nossa natureza
Nobres nas intenções, fracos de ação,
Perdidos entre a esquina do ego e a rua da compaixão
Em algum lugar por aí caminhamos no meio termo
Não por acaso aqui estamos, na exata medida de distância
Tanto do inferno quanto do céu, nos afastando na mesma
Proporção que nos aproximamos de onde escolhemos ir
Tem sido uma longa jornada rumo a lugar nenhum
E choramos por não sermos o que queremos
Porque queremos muito mais do que podemos ser
Se dê um respiro
Você não precisa ser tanto assim
E ao mesmo tempo ninguém é você.
A vida também é placebo
Que cura ao adoecer.

O caminho de Santiago

As ruas estão vazias,
Talvez pela hora mostrada no relógio
O uníssono silêncio ecoa pela avenida
Mais uma avenida vazia na noite...
O vazio da noite é o retrato mais fidedigno
Desse passeio aleatório por lugar nenhum...
Desculpe, eu quis dizer vida.
Venero o silêncio da noite, o mais absoluto
e pacífico silêncio.
A mesma rua que agora se cala
Mais cedo gritava, urrava, e eu estava lá sem entender nada.
Naquele barulho onde todos queriam se fazer ouvir
Lá estavam homens tão vazios que o que tinham
A botar para fora não era mais do que a mera expectativa
De tentar por alguns segundos, mesmo que por míseros segundos
Ser menos miseráveis, os miseráveis raramente
Querem continuar a sê-lo.
Enquanto a cidade de dia, com um calor estúpido gritava
Onde a voz e a temperatura se degladiavam
Para saber quem seria mais alta e mais efêmera
Onde o suor e a fala, duas manifestações de externalização
Do que já não nos pertence pareciam brotar
Eu escutava atentamente
E eles nada diziam.
Eu era menos eu naquele barulho
Naquele ensurdecedor barulho
Eu me perdia lentamente em mim
A cada segundo...
Viver também é placebo, eu pensava...
Veja bem, não é que eu seja pessimista
É que de fato não há tantas razões assim pra se viver...
Então eu penso em Dostoiévski, então eu me lembro de Shakespeare
Então eu sou Hemingway digitando em sua máquina de escrever...
E viver não é uma escolha...
Não é mais moral, não é mais bonito
Não é sequer estético ou atraente
Viver se torna o silêncio da noite...
E veja bem, você pode temer o escuro,
Acender as luzes, iluminar o seu quarto,
Mas você ainda é prisioneiro do silêncio da noite
Ela ainda ecoa o teu próprio ser
De noite o seu espelho mostra as rugas do seu rosto
É o seu passado se fazendo presente bem ali,
Naquela glândula incômoda chamada consciência
Que te vigia de dentro do seu travesseiro.
Respire,mais um segundo, você está começando a se conhecer
Hemingway sabia, Dostoiévski sabia...Eles sabiam
E agora você começa a saber.
Abrace o silêncio, é uma perturbadora imagem nadar no escuro
Há pureza na beleza de se deixar engulir pela ausência
Agora você está vivo, você se perdeu no escuro
E se você conseguiu voltar essa parte de você
Essa parte que agora habita esse mesmo receptáculo cru
Cozido lentamente pela poeira e pelo sol, pelo calor humano
Essa parte de você que retornou da incrível jornada do silêncio
Isso é só os outros...
Você é o que se perdeu
Você é o doce fardo de estar só
Apresenta o seu monólogo do mundo
Quando não há ninguém para aplaudir
De dia você é o mímico
Que mimetiza a cópía
De uma cópia
De uma cópia
De uma cópia
Onde está você agora que a cortina se fechou?
Apresentando seu espetáculo
Seu sonho de uma noite de verão
Em decassílabos
E ninguém nunca saberá.
Viver não é permitido
É proibido proibir
Viver é coibido
É coibido coibir
Viver não nos é escolhido...
Sendo vivido(na voz passiva) é que vivi.

pequena descriçao do blog

a arte com palavras tem que ser intensa, mas ao mesmo tempo sádica, mentirosa mas sagaz, gosto de ter as palavras sobre controle e brincar com las, quanto menos tempo eu gastar compondo um poema, melhor pois soa espontâneo, isso é arte
isso é minha arte